Adriana Rocha
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Visão trocada
(...) Guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue zá.
(Trecho da cantiga Escravos de Jó. In: MELO, Veríssimo de (org). Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de cultura, 1953).
Os artistas Adriana Rocha, Denise Adams, Nino Rezende, Pazé e Sonia Guggisberg se propuseram um desafio: trocar aleatoriamente entre si seus trabalhos, de modo que servissem de mote para a realização de novas obras. Essa atitude resultou na exposição Visão Trocada, na qual os artistas mostram os reflexos dessa experiência.
Cada artista teve a liberdade de escolher que trabalho gostaria de ceder para o outro, realizado ou não especialmente para esse fim. Por isso, é curioso notar que, entre suas produções, todos elegeram obras fotográficas como ponto de partida: talvez isso se deva à facilidade de intercâmbio que a fotografia possibilita atualmente com a disseminação da imagem digital.
A fotógrafa Denise Adams selecionou estudos de fotografias de miniaturas, realizadas entre 1998 e 2003, que se tornaram o tema da obra de Sonia Guggisberg. Sonia fotografou a parte frontal de casas humildes e coloridas, repletas de elementos que revelam desorganização/acúmulo, como o cesto de lixo próximo ao varal de roupas. Esse trabalho serviu de inspiração para o artista Pazé que, por sua vez, escolheu algumas fotografias que integraram um de seus projetos de 2001. São imagens de um boneco, feito a sua semelhança, posicionado em locais estratégicos do Centro Velho de São Paulo, referência para a obra de Adriana Rocha. Já a fotomontagem que Adriana fez, a partir de fotografias de paisagens que tirou em viagens a Sete Povos das Missões e Lençóis Maranhenses, foi sorteada para Nino Rezende. E as três fotografias que compõem um conjunto de obras concebidas por Nino, entre 2000 e 2001, sobre seu cotidiano quando residida em Berlim, tornaram-se a proposta do trabalho de Denise Adams.
Nesse processo, cabe refletir sobre como a seleção livre — que obra um artista seleciona para o outro e o que o outro seleciona daquela obra — irá influir no resultado da exposição.
Entre possibilidades como o afastamento da proposta alheia, o inverso — a imersão — ou, ainda, a completa transformação, o que emergiu, de modo muito claro, foi a ênfase na poética do outro. Reconhecem-se alguns elementos dos trabalhos que serviram de base para a “visão trocada” dos artistas que os absorveram e enfatizaram, segundo seu olhar/seleção: as miniaturas de Denise Adams estão presentes na obra de Sonia Guggisberg, que inverte tanto a escala presente no trabalho de Adams, quanto o suporte fotográfico (de papel para adesivo sobre plástico transparente). As casas humildes, fotografadas por Sonia, foram construídas na exposição, de maneira quase fiel, por Pazé, reforçando a noção de paisagem urbana, contida nas fotos. Detalhe: uma das “casas” possui uma pequena janela que oferece vista para a Av. São João, em uma menção à paisagem do entorno da mostra. O boneco de Pazé (lembre-se, uma espécie de réplica do artista) figura como pintura e como plotagem no trabalho de Adriana Rocha, ressaltando a idéia de auto-retrato, presente em Pazé. As paisagens fotografadas por Adriana se multiplicam na obra de Nino Rezende, que criou um diário de viagens fotográfico composto pelo registro de paisagens e também de pessoas em locais como o sul de Minas Gerais, Bahia, Camburi e Berlim, nos quais Nino viveu ou vive. E uma das fotografias de Nino (a do terraço de sua casa em Berlim) aparece nitidamente no vídeo de Denise Adams, pautado na idéia de ciclo (neve e degelo).
Essa movimentação, a partir do olhar sobre o outro, irá compor a identidade da mostra. Uma identidade que parte de propostas individuais, mas que não se caracteriza como individual, considerando que se forma com a fusão de poéticas.
2005
Daniela Maura Ribeiro
texto para catálogo da exposição “Visão Trocada”, na Galeria Olido, São Paulo