Adriana Rocha

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ADRIANA ROCHA : PINTURA

Uma rosa é uma rosa, uma rosa,uma rosa

Gertrude Stein

Nos últimos dez anos, Adriana Rocha vem fazendo uma pintura onde a figura, mais precisamente, o ícone flutua desconectado de enredo ou outros apoios formais. Com este procedimento instaura uma condição de vazio existencial uma vez que a imagem isolada não encontra conexão formal ou convivência possível no campo em que aparece. Estabelecido esse princípio, ocorrem, em certos quadros, variações sem com isso alterar-se o conceito. Para o olhar desavisado esses trabalhos assemelham-se aos de alguns artistas da mesma geração onde imagens evanescentes surgem sobre fundos quase monocromáticos, porém, uma observação mais acurada encontrará a especificidade dessa obra e chegará a concluir que essa pintura não é simples como, à primeira vista, parece.

É necessário parar diante da obra. No mundo de hoje poucas vezes paramos frente a uma imagem por muito tempo. Nos acontece ver a mesma imagem com freqüência, de maneira intermitente ou em veículos diversos. porém, raramente nos detemos para observar. No caso dos quadros de Adriana, um passar de olhos parece suficiente para apreender os poucos signos que contém, ademais não chamam quase atenção, não são agressivos nas formas ou cores nem provocadores nos conteúdos. Eles não gritam mensagens, sussurram.

A tendência do público é apreciá-los superficialmente e gostar dessa aparência inofensiva ou sentir um inexplicável desconforto face ao vazio das composições. Examinando a primeira reação, diria que há um certo alívio quando se encontra uma obra de arte "compreensível", porque bela, onde além da suavidade da cor que descansa os atormentados espíritos urbanos existe alguma forma reconhecível, estranhamente tranqüilizadora. Outras pessoas não se sentem em paz com essas telas, ficam inquietas diante da "pobreza" compositiva, não suportam a baixa de estímulos, acham as imagens banais, uma pintura fácil, justificam.

A obra de Adriana exige um olhar mais atento. Quando isso acontece, começa-se por notar algo que passou desapercebido: a perda de credibilidade da relação figura/fundo. Surgem perguntas: onde se situa a figura? de onde vem? porque está solta? Aquilo que convencionalmente se chama de fundo, que fica por trás da figura, nesta pintura existe por si como também autônomo é o signo. O processo de feitura explica em parte o fato.

A artista trabalha sobrepondo tênues camadas de tinta sobre a tela e coisa surpreendente, apesar da coloração final ficar sempre na gama dos tons pastéis, a base inicial é o preto. Na pintura acabada a cor nunca é uniforme, revela as camadas subjacentes criando uma superfície rica em nuances e levemente texturada como um muro envelhecido. A figura é freqüentemente um desenho, por vezes matizado. São imagens facilmente identificáveis - o nú apolíneo, a folha, o jarrão ornamental, a cabeça de homem - nas obras de grande formato, algumas compostas por partes acopladas, enquanto na série de telas menores, figuram a rosa e a grelha que remete ao esquema do labirinto. Aproximando, verifica-se que em dois trípticos foi usado tecido adamascado, aplicado sobre a tela e pintado, na totalidade de alguns segmentos.

Feito o reconhecimento, constatada a complexidade do fazer, a sensação é simultaneamente de familiaridade com a iconografia e estranhamento da situação. Aprofundando a análise diria que a aparição do ícone descontextualizado, fantasmático, propõe uma meditação sobre os usos e abusos da imagem na contemporaneidade. Aqui, signos icônicos quase mudos, gerados originalmente por meios mecânicos e provenientes de roteiros de grande circulação reaparecem numa cena inédita: no âmbito questionável da pintura deste fim de milênio, à imagem calada se dá uma outra voz. Argumentarão os bem informados que esse foi um procedimento adotado pela Pop Art; é certo mas há diferença.

Adriana recua no tempo. Toma por ex., a rosa: do risco do bordado, da embalagem do sabonete, do rótulo da água de cheiro, da estampa da chita, do decalque, do cartão postal, do livro de recordações. Trás para sua pintura essa imagem banalizada pela veiculação excessiva, pela pieguice romântica que apesar disso ainda circula entre nós e ecoa o mito: da rosa mística, da rosa enclausurada no jardim, da espada e da rosa, do eterno feminino. É dessa impregnação que trata essa pintura, seu pop é do popular brasileiro, de uma cultura que subsiste na zona rural, nas periferias da cidade, nos vãos da comunicação de massa.

A pintora nascida em São Paulo, viveu sua infância no interior, fez FAAP, e mantém vínculos com a gente que morando na capital guarda traços de sua cultura original embora assista televisão e anda de metrô. Vendo suas últimas e antes de começarmos discutir o trabalho, me veio uma lembrança. Recordei que na Pinacoteca do Estado vi guardados uns papéis de Tarsila do Amaral, coisas que nunca são mostradas ao público porque embora tenham saído da mão da grande artista não passam de desenhos escolares. São pequenos frisos, desenhos decalcados, cópias que se fazia nas aulas de educação artística das nossas escolas no começo do século. Depois, conversamos, e tudo fez sentido.

1996

Maria Alice Milliet

Texto para catálogo de exposição na Galeria Nara Roesler, São Paulo