Adriana Rocha

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NO VÓRTICE DA REVOLUÇÃO DIGITAL

Vórtice é quando tudo converge em meio a uma enorme confusão. Vórtice é a experiência contemporânea de ruptura de paradigmas e de assombro diante da revolução digital. “Vórtice” é o título de um dos trabalhos da exposição “A foto dissolvida”, que faz o pensamento sobre o estatuto da imagem hoje dar uma guinada e convergir para além da dicotomia banalização-singularidade.

...Se ao longo da década de 1990 a fotografia se firmou como linguagem autônoma e como obra indissociável da experiência de sua escala e da fisicalidade de sua moldura, nos anos 2000 ela foi se desmaterializando até chegar à configuração de uma fotografia sem suporte, sem corpo, e, no limite, sem imagem.

...O discurso fotográfico atravessou a última década abordando o corpo, a identidade, a memória, a política (em chave pós-moderna, portanto via questões de raça ou gênero, principalmente), o anonimato nas metrópoles e a ruína urbana. Há exatos 10 anos, uma curadoria de Tadeu Chiarelli no Centro Cultural São Paulo marcou época apontando a imbricação entre arte e vida na produção fotográfica. A exposição, que se chamava “A fotografia contaminada” é uma referência para a presente mostra. Que desdobramentos esta linguagem teve com o advento de novas tecnologias e que motivos ela tomou para si com o advento de uma nova subjetividade?

Não é exagero falar de uma nova subjetividade, mediada pela interface. Em livro em que analisa como o computador transforma as formas de criação e de comunicação na atualidade, o respeitado pensador do ciberespaço Steven Johnson explica, didático: “o automóvel mudou o modo como nossas cidades se desenvolviam, empurrando nossos velhos núcleos urbanos em direção às cidades-satélites ou ‘periféricas” de hoje. A introspecção psicológica do romance do final do século 19 abriu caminho para a psicanálise, que por sua vez tornou possível os movimentos populares de auto-ajuda do pós-guerra. A interface já alterou o modo como usamos computadores, e vai continuar a altera-lo nos anos vindouros. Mas está fadada a mudar outros domínios da experiência contemporânea de maneiras mais improváveis, mais imprevisíveis” (Cultura da Interface, p.24, de Jorge Zahar Editor, 2001).

O advento de novas tecnologias altera pontualmente modos de vida e, no longo prazo, afeta o funcionamento social e a sensibilidade. Enquanto a televisão produziu legiões de espectadores passivos, mais afeitos à imagem do que ao texto, a internet convoca o usuário a interagir, a opinar, a modificar realidades (virtuais ou não). Em tempos de epidemias de câmeras digitais, fotologs e instantaneidade de transmissão de fotos via celular, que lugar sobrou para a fotografia-arte? Esta subjetividade mediada é o leitmotiv das obras produzidas pelos 15 artistas convidados para integrar “A foto dissolvida”. As imagens interrogam o espectador o tempo inteiro acerca de seu possível lastro na realidade, fazem o visitante duvidar. E dão prova irrefutável de que ainda há imagens que vale a pena olhar detidamente. Imagens imersivas.

...A exposição aborda a imagem (e o imaginário) fotográfica (o) de dois pontos de vista: o da dissolução da foto na vida e o da desmaterialização do “suporte fotográfico”, entendido convencionalmente. Do primeiro partido, depreende-se que a produção artística se apropria com inteligência de mecanismos de publicidade, de rotinas comunicacionais e de lógicas de reprodução/representação/ficção que permeiam a vida contemporânea para pôr em pauta a natureza dessa existência. Do segundo, segue-se um questionamento formal que leva ao limite e estilhaça e dissolve a “essência” da fotografia.

A mostra reúne obras que diluem a fotografia em outras linguagens (Sandra Cinto, Keila Alaver, Adriana Rocha), que a implodem a partir dos próprios limites impostos por seus mecanismos técnicos (Paulo D’Alessandro, Julio Kohl), que pervertem a “etiqueta fotográfica”, situando-se no limite entre ilusão e lastro real (Caio Reisewitz, Domitila Coelho, Gustavo Rezende, Rochelle Costi), que assumem a impossibilidade mesma de fotografar ou seja, de fixar uma imagem de mundo, tendo o mundo se convertido em pura imagem (Fabio Faria, Gisela Motta, Helga Stein, Leandro Lima)e, obras que, retomando o início desse texto, dissolvem a imagem ao vivo (Kinoks).

...Com desdobramentos diversos da série “Aquilo que se esvai”, Adriana Rocha opera no cruzamento entre fotografia e pintura, tratando o registro da figura humana como uma camada entre outras na construção de um todo. A apreensão do todo é aquilo o que se esvai, e a individualidade se torna indistinta: seja nas pinturas ou nas imagens plotadas diretamente na parede, as figuras são fantasmáticas, vultos que podem passar despercebidos. A perda de nitidez (obtida pelo desfoque nas fotografias e pela velatura nas telas) expõe a contradição de que é vítima o personagem interpretado por Robin Williams em “Desconstruindo Harry”(1997), de Woody Allen, o de se viver em uma realidade mediada por diferentes lentes.

maio de 2004

Juliana Monachesi

texto para o catálogo “ A foto dissolvida”, no SESC Pompéia, São Paulo