Adriana Rocha
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Aguinaldo Farias
1998
Em São Paulo, por exemplo, há essa coorte progressivamente maior de imagens e sensações visuais nítidas : em penas de prédios metalizadas que estampam por ricochete à luz do sol; telões hiper-reais arrastando nossos olhares lassos, adormecidos pelo efeito do fluxo imperceptível dos engarrafamentos; painéis e out doors cada vez maiores, mais iridiscentes, ruidosos e bem sucedidos no seu projeto de aliciar nossa atenção; e há, enfim, luzes-luzes reflexas no asfalto molhado, tricolores e de ritmo obsessivo dos sinais de trânsito, dos signos desenhados em tubos de néon nas fachadas, na miríade de pequenas lâmpadas que engalanam a cidade aos finais de ano e por onde ela pulsa consegue em jorros lineares, recortando janelas, sublinhando estruturas das árvores, das vitrines e das torres de transmissão que, desde o alto dos prédios anunciam suas presenças palpitantes dentro da noite.
Como tudo que coopta, que fascina, que encanta, essa nitidez, logo se vê, tem por finalidade confundir, enganar. Atrás de um mundo - e pode-se falar de mundo, posto que São Paulo, como se disse, é só um exemplo - que se oferece tão ostensivamente, que se deixa ver com tamanha facilidade, há um outro, ou melhor, outros, que não interessa evidenciar, que convém ou conviria - para nosso conforto - esquecer. São mundos mais complexos, intrigantes, interrogantes, frutos de uma lógica que, face sua inacessibilidade aos nossos olhos incuriosos, chamamos de caos. Mas que nada têm a ver com caos.
Em São Paulo, por exemplo, temos Adriana Rocha ocupada em compensar ou desmentir essa nitidez. Ao espectro de cores ela opta por melodias monocromáticas de tonalidade rebaixada, por quanto puxadas de preto, fundo de todas suas telas. Em lugar do que é franco e expansivo ela oferece a retração e o embaciamento, a névoa do silêncio.
Cada tela é um chão sem escoras do qual nos aproximamos com cautela e parcimônia para, ainda assim ser por ele engolfados. Não há pele, não há uma superfície dura por onde se possa evoluir; tudo é sugestão, é matéria pela qual se avança com vagar escrutinizando cada detalhe, saudando cada vago acontecimento - uma mancha, uma linha, uma variação de textura - como uma possível; cifra, algo cujo significado trazemos dentro de nós e que nos convida a prosseguir, agora com maior otimismo.
Não é que suas telas não nos ofereçam matéria identificável: flutuando ou escavando esses campos difusos surgem imagens fotográficas, desenhos, figurações de coisas ordinárias facilmente reconhecíveis: uma mão sobre a outra, uma cadeira, um cachorro, uma cabeça extraída de uma imagem clássica, um corredor, um padrão ornamental...Mas aqui a facilidade é mera passagem para uma outra etapa da contemplação dessas telas. Afinal, qual a lógica que alinhava essas imagens tão disparatadas entre si ? Quais sentidos podem emergir desses avizinhamentos ?
O tempo de Adriana Rocha não é o tempo rápido das coisas nítidas. À velocidade com que o nítido atinge e preenche a retina ela prefere a lentidão de imagens e atmosferas que se constituem na razão do tempo que o olhar dispende a elas. Daí esse gosto por confeccionar telas emendadas umas às outras, maneira de oferecer experiências temporais diferenciadas. Junto ao deslocamento em profundidade que cada fragmento propicia, vem a possibilidade de um deslocamento horizontal como a seqüência de páginas de um livro a ser folheado com prudência e surpresa.